Lucas 24:39

Lucas 24:39

Olhai as minhas mãos e os meus pés, que sou eu mesmo; apalpai-me e vede; porque um espírito não tem carne nem ossos, como percebeis que eu tenho. Lucas 24:39

O verso deixa claro que Jesus ressuscitou em um corpo carnal e não espiritualmente.  

Se o texto expressa a verdade, Jesus experimentou um retrocesso,  pois no princípio era espírito, assim como Deus. No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus e o Verba era Deus. (João 1:1)  

Ao encarnar, ele abre mão da glória espiritual da qual desfrutava e nasce como ser físico, carnal. E o Verbo se fez carne e habitou entre nós... (João 1:14), ficando então sujeito às limitações que o corpo impõe, como fome, sede, necessidades fisiológicas, dores, doenças, higiene pessoal, etc. 

Conforme estabelecido pelo próprio Jesus em seus ensinos, o Reino dos Céus é espiritual e a plenitude está no Espírito, não na carne. O próprio Deus é Espírito. Paulo confirma a supremacia do espiritual sobre o carnal quando afirma: "Mas digo isto, irmãos, que carne e sangue não podem herdar o reino de Deus; nem a corrupção herda a incorrupção".(1 Coríntios 15:50)

O espírito não está sujeito às limitações do mundo físico. Pode se deslocar no espaço de forma instantânea. Não está sujeito às necessidades fisiológicas como fome e sede. Não sente dores, embora possa experimentar sofrimento. 

Jesus abriu mão de sua condição espiritual de poder e glória para viver como ser carnal, o que representou total e absoluta humilhação.

O que vemos no texto, por outro lado, é uma espécie de exaltação do corpo material e carnal, considerando-se a afirmação categórica de Jesus de que ali estava em carne e osso, em um corpo material, já que podia ser visto e apalpado. Não há como negar tal fato. 

É ilógico e irracional, entretanto, admitir tal inversão, ou seja, o Verbo deixar de ser espiritual para se tornar carnal e assim permanecer, porque representaria retrocesso e decadência. 

Enquanto seres carnais, é natural o nosso apego ao material, ao palpável, ao que é acessível aos sentidos. É necessário, entretanto, prudência e discernimento a fim de se evitar que esse impulso carnal leve, como geralmente ocorre, à tentativa de ajustar a realidade espiritual à realidade física, transformando o espírito em matéria e atribuindo a Deus características puramente carnais, conforme nossa realidade momentânea.

Neste estudo tentaremos conciliar, na medida do possível, a evidente contradição que o verso suscita diante do caráter estritamente espiritual do ensino e da vida de Cristo. 

Olhai as minhas mãos e os meus pés que sou eu mesmo

Apesar de muito limitada, a visão é a nossa maior referência de realidade, mesmo revelando parte desprezível dela. O que os olhos não veêm, o coração não sente. É natural o impulso de negar a existência do que não pode ser visto. 

E a visão humana, embora muito avançada,  é extremamente limitada. Podemos ver somente uma pequena faixa de luz situada entre o vermelho (4,5. 1014Hz) e o violeta (7,5. 1014Hz). Nada podemos ver do que está abaixo do vermelho e acima do violeta. Sendo assim, o que não podemos ver é infinitamente maior do que o que podemos. 

Mesmo assim a visão é o nosso mais importante sentido e por isso Jesus recorre a ela, para tentar tirar os discípulos da incredulidade que os dominava. Ele argumenta com o incontestável, pois como pode alguém não acreditar no que vê?

Fica evidente a dúvida acerca da ressurreição, mesmo entre os discípulos. Era um assunto ao qual ninguém dava crédito. Dai o esforço de Jesus para levá-los a acreditar em seus próprios sentidos, pelo menos. 

apalpai-me e vede

A frase indica que havia absoluta incredulidade das pessoas presentes. Diante do quadro de dúvida predominante, Jesus os desafia a tocá-lo e apalpá-lo, já que não acreditavam no que viam. 

porque um espírito não tem carne nem ossos, como percebeis que eu tenho

Esta parte do verso, além de confirmar a existência de espíritos, evidencia que a crença nos espíritos era comum entre os discípulos. Está implícito que eles pensavam que viam um espírito, o que não poderia ser tirado do nada, ou seja, não pensariam nisso caso fosse ideia estranha à realidade deles.

O próprio Jesus demonstra naturalidade ao falar do assunto, semelhante à reação, também espontânea, dos discípulos quando viram Jesus andar sobre o mar: "Os discípulos, porém, ao vê-lo andando sobre o mar, assustaram-se e disseram: É um fantasma. E gritaram de medo." (Mateus 14:26)

Ao mesmo tempo, Jesus não contesta ou repele a idéia da existência dos espíritos. Ao contrário, ressalta que um espírito não tem carne e ossos, sendo normal sua aparição sob forma humana, embora desprovido de corpo material.  

Pelo que se vê, fica claro que a aceitação da existência de espíritos era relativamente comum na época e especialmente entre os seguidores de Jesus, o que é fundamentado por diversos textos do Novo Testamento: 

- A reação dos discípulos diante do episódio de Jesus andando sobre o mar, em Mateus 14:26; 

- a transfiguração (Mateus 17:3 e Lucas 9:30), em que Jesus é visto conversando com Elias e Moisés (já morto);

- a parábola de Lázaro e o Rico, em Lucas 16:19-31;

- o diálogo entre Jesus e o ladrão ao seu lado na crucificação, quando assegura que ainda naquele dia estariam no Paraíso (Lucas 23:43).

Por outro lado, ao dizer que não era espírito, Jesus contraria, como dito no início, o seu próprio ensino, que sempre apontou para a supremacia do espírito sobre a matéria e, sendo assim, a ideia predominante neste verso e na sequência do texto, como veremos mais adiante, representa contradição evidente, tendo sido inserido na Bíblia de Constantino com o claro propósito de enganar, induzindo o apego à matéria em detrimento do espírito. 

Há também a questão da inversão da ordem natural de crescimento ao indicar que Jesus parte do espiritual para o material e assim permanece e não do material para o espiritual, configurando inegável retrocesso. 

Restaria, como último recurso para salvar o texto, supor que Jesus teria ressuscitado espiritualmente e, usando seu poder sobrenatural, alternado momentos de existência espiritual e existência física, visando interagir com seus seguidores de um modo acessível à compreensão e maturidade espiritual destes. Tal interpretação faz sentido face à ignorância que reina acerca da verdadeira natureza do corpo de Jesus após a ressurreição. 

De minha parte, entendo que a ressurreição de Jesus se deu em caráter exclusivamente espiritual, estando o registro de Lucas equivocado ou adulterado. 

A discussão será aprofundada nos comentários dos versos subsequentes. 

 

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